A Ironia na História da Filosofia
A ironia é uma forma de tratar o saber e aparece na história também como reação ao dogmatismo, isto é, quando existem verdades impostas pelas crenças ou pela autoridade, impedindo as pessoas de pensar e manifestar suas opiniões. Conforme Merleau-Ponty,
(...) a vida e a morte de Sócrates são a história das difíceis relações que o filósofo, que não é protegido pela imunidade literária, mantém com os deuses da cidade, isto é, com os outros homens e com o absoluto imobilizado cuja imagem lhe apresentam(...) ( MERLEAU-PONTY, s/d., p. 46)
O exercício da filosofia, enquanto interrogação sobre as várias instâncias do real, questiona a ordem instituída e, à medida que analisa e pondera, interfere na ação. Nas suas observações sobre Sócrates Merleau-Ponty acrescenta:
(...) a ironia de Sócrates é uma relação distante, mas verdadeira, com outrem, que exprime este dado fundamental de que cada um, sendo inelutavelmente ele próprio, no entanto se reconhece no outro, e procura desligar um do outro pela liberdade(...) ( MERLEAU-PONTY, s/d p. 51)
A ironia é uma forma de filosofar que retorna em outros momentos
da história, com outros sentidos: por exemplo, Montaigne, ao afirmar
que “nem ele nem ninguém saberá nada de certo”, (LEFEBVRE, 1969 p. 14)
aplica a ironia no contexto do que se chama ceticismo.
Montaigne foi um filósofo do século XVI que viveu numa época de
muitos conflitos, transformações sociais e questionamentos do pensamento
vigente na idade média. O pensamento de Montaigne refletiu
estas contradições de tal modo que as oscilações, as alusões, a ausência
de sistematicidade, tornam-no um pensador peculiar. Como outros
intelectuais de seu tempo, buscou inspiração na antigüidade, mais precisamente
no ceticismo grego e romano.
O pensamento cético pode ser encontrado em Protágoras, cujas
proposições relativizam todo o conhecimento, isto é, o homem é a
medida de todas as coisas, não havendo certeza a respeito do conhecimento
da natureza e das coisas. Curiosamente, ao afirmar que não
há possibilidade de um conhecimento certo sobre as coisas, os céticos
aproximam-se da proposição socrática “só sei que nada sei”. Sócrates,
porém, confia na razão e empenha-se em procurar a verdade.
Dos nossos ódios e afeições
“O temor, o desejo, a esperança, jogam-nos sempre para o futuro, sonegando-nos o sentimento e o exame do que é, para distrair-nos com o que será, embora, então, já não sejamos mais. ‘Todo espírito preocupado com o futuro é 'infeliz’. ‘Fazer aquilo para que és feito e conhece-te a ti mesmo’, eis um grande preceito amiúde citado em Platão. E cada um dos membros dessa proposição já nos apontam o nosso dever; e traz em si o outro. Quem se aplicasse
em fazer aquilo para que é feito perceberia que lhe é necessário adquirir antes de mais nada o conhecimento de si próprio e daquilo que está apto. E quem se conhece não erra acerca de sua capacidade, porque
se aprecia a si mesmo e procura melhorar, recusando as ocupações supérfluas, os pensamentos e os projetos inúteis. Da mesma forma que a loucura não se satisfaz ainda que cedamos a seus desejos, a sabedoria, sempre
satisfeita com o presente, nunca se descompraz consigo mesma. A ponto de Epicuro considerar que nem a previdência nem a preocupação com o futuro são peculiares ao sábio”. (MONTAIGNE, 1972, p. 17)
A ironia socrática interroga para buscar um sentido oculto e desconhecido pelo homem, ancorado em crenças e dogmas. A ironia moderna descobre o duplo sentido e, com ele, a relatividade da verdade, a fragmentação e a fraqueza do pensamento que não consegue consolidar- se em sistema. Ambos se aproximam na prática do duvidar e
interrogar, no valor que atribuem ao homem, na sua dignidade sedimentada
na liberdade de pensamento e em, principalmente, no reconhecimento de sua fragilidade existencial.
Atividade
Responda as questões abaixo:
1. Qual a diferença entre a ironia socrática e o ceticismo proposto por Pirro?
2. Qual a diferença entre a ironia socrática e os seus múltiplos sentidos que se descobrem no pensamento
moderno?
3. Quais as formas de dogmatismo e verdades impostas por crenças ou pela autoridade, que impedem
as pessoas de pensar e manifestar suas opiniões?
4. Como o ceticismo se apresenta hoje? Em relação a que as pessoas se posicionam como céticas?
(...) a vida e a morte de Sócrates são a história das difíceis relações que o filósofo, que não é protegido pela imunidade literária, mantém com os deuses da cidade, isto é, com os outros homens e com o absoluto imobilizado cuja imagem lhe apresentam(...) ( MERLEAU-PONTY, s/d., p. 46)
O exercício da filosofia, enquanto interrogação sobre as várias instâncias do real, questiona a ordem instituída e, à medida que analisa e pondera, interfere na ação. Nas suas observações sobre Sócrates Merleau-Ponty acrescenta:
(...) a ironia de Sócrates é uma relação distante, mas verdadeira, com outrem, que exprime este dado fundamental de que cada um, sendo inelutavelmente ele próprio, no entanto se reconhece no outro, e procura desligar um do outro pela liberdade(...) ( MERLEAU-PONTY, s/d p. 51)
A ironia é uma forma de filosofar que retorna em outros momentos
da história, com outros sentidos: por exemplo, Montaigne, ao afirmar
que “nem ele nem ninguém saberá nada de certo”, (LEFEBVRE, 1969 p. 14)
aplica a ironia no contexto do que se chama ceticismo.
Montaigne foi um filósofo do século XVI que viveu numa época de
muitos conflitos, transformações sociais e questionamentos do pensamento
vigente na idade média. O pensamento de Montaigne refletiu
estas contradições de tal modo que as oscilações, as alusões, a ausência
de sistematicidade, tornam-no um pensador peculiar. Como outros
intelectuais de seu tempo, buscou inspiração na antigüidade, mais precisamente
no ceticismo grego e romano.
O pensamento cético pode ser encontrado em Protágoras, cujas
proposições relativizam todo o conhecimento, isto é, o homem é a
medida de todas as coisas, não havendo certeza a respeito do conhecimento
da natureza e das coisas. Curiosamente, ao afirmar que não
há possibilidade de um conhecimento certo sobre as coisas, os céticos
aproximam-se da proposição socrática “só sei que nada sei”. Sócrates,
porém, confia na razão e empenha-se em procurar a verdade.
CETICISMO
“O ceticismo foi desenvolvido
inicialmente por Pirro
(367-275 a.C.) (...) Segundo
Pirro, o homem não
é capaz de atingir qualquer
verdade no âmbito da ciência
ou da filosofia. As únicas
“verdades” são de caráter
subjetivo e não podem ser
consideradas propriamente
verdades, pois não passam
de simples impressões, que
não nos garantem a certeza.
Não temos acesso à essência
das coisas, conhecemos
somente as suas aparências.
Diante disso, a mais sábia
das atitudes do homem é a
abstenção ou suspensão dos
juízos (epoké). A versão mais
conhecida do ceticismo é o
probabilismo. Nesta versão
incentiva-se a desconfiança
permanente em relação
à verdade sem, no entanto,
fechar-se completamente
à hipótese de sua probabilidade.
Assim, cético é o que
observa, desconfia, e espera
o desenrolar dos fatos
para, só então, se pronunciar
(em grego, sképsis significa
o olhar de quem analisa,
considera)”. (HRYNIEWICZ,
2001, p. 288)
“O temor, o desejo, a esperança, jogam-nos sempre para o futuro, sonegando-nos o sentimento e o exame do que é, para distrair-nos com o que será, embora, então, já não sejamos mais. ‘Todo espírito preocupado com o futuro é 'infeliz’. ‘Fazer aquilo para que és feito e conhece-te a ti mesmo’, eis um grande preceito amiúde citado em Platão. E cada um dos membros dessa proposição já nos apontam o nosso dever; e traz em si o outro. Quem se aplicasse
em fazer aquilo para que é feito perceberia que lhe é necessário adquirir antes de mais nada o conhecimento de si próprio e daquilo que está apto. E quem se conhece não erra acerca de sua capacidade, porque
se aprecia a si mesmo e procura melhorar, recusando as ocupações supérfluas, os pensamentos e os projetos inúteis. Da mesma forma que a loucura não se satisfaz ainda que cedamos a seus desejos, a sabedoria, sempre
satisfeita com o presente, nunca se descompraz consigo mesma. A ponto de Epicuro considerar que nem a previdência nem a preocupação com o futuro são peculiares ao sábio”. (MONTAIGNE, 1972, p. 17)
A ironia socrática interroga para buscar um sentido oculto e desconhecido pelo homem, ancorado em crenças e dogmas. A ironia moderna descobre o duplo sentido e, com ele, a relatividade da verdade, a fragmentação e a fraqueza do pensamento que não consegue consolidar- se em sistema. Ambos se aproximam na prática do duvidar e
interrogar, no valor que atribuem ao homem, na sua dignidade sedimentada
na liberdade de pensamento e em, principalmente, no reconhecimento de sua fragilidade existencial.
Atividade
Responda as questões abaixo:
1. Qual a diferença entre a ironia socrática e o ceticismo proposto por Pirro?
2. Qual a diferença entre a ironia socrática e os seus múltiplos sentidos que se descobrem no pensamento
moderno?
3. Quais as formas de dogmatismo e verdades impostas por crenças ou pela autoridade, que impedem
as pessoas de pensar e manifestar suas opiniões?
4. Como o ceticismo se apresenta hoje? Em relação a que as pessoas se posicionam como céticas?
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