Das Sombras ao Logos
Platão propõe em sua
teoria a existência de duas dimensões do conhecimento: o sensível e o
inteligível. De acordo com esta alegoria, o conhecimento sensível é semelhante
a uma caverna onde os homens estão presos às percepções que recebem dos seus
sentidos. Para eles isto seria a única verdade possível. Um deles se liberta e
sai da caverna. Num primeiro momento sua visão fica ofuscada, pois ele se
depara com a luz do sol, em seguida habitua-se à luz reconhecendo o
conhecimento inteligível.
Todavia devemos nos
perguntar: por que a filosofia nasceu na Grécia a mais ou menos 2600 anos, e
não em outro lugar qualquer ou outro tempo? O nascimento da filosofia se deu
por meio de uma ruptura com o mito, ou através de uma gradual transformação?
Existe relação entre a alegoria da caverna e o nascimento da filosofia?
A Jônia foi o berço dos
primeiros filósofos, mais especificamente em Mileto. De acordo com os próprios
gregos os inauguradores do pensamento racional foram: Tales, Anaxímenes e
Anaximandro. Contudo, podemos nos perguntar sobre a existência de um pensamento
filosófico ou racional entre os chineses, babilônios ou hindus, embora houvesse
alguma forma de racionalidade entre os diferentes povos antigos, ela nunca se
desvencilhou da religião local e das explicações ligadas às divindades e seres
imaginários, que comumente explicava a realidade.
A filosofia procede de um
estudo denominado cosmologia (gr. kosmología, do gr. kósmos ‘lei,
ordem, mundo, universo’ + rad. gr. –logía ‘tratado, ciência, discurso’;
ver cosm(o)- e –logia). Portanto, a filosofia nasce do exercício
racional na busca de uma ordem do mundo ou do universo. O mito por sua vez
narra a origem das coisas por meio de lutas e relações sexuais entre as forças
que governam o universo, por isso, são chamadas cosmogonias e teogonias.
A literatura grega narra a
origem do universo utilizando-se de figuras de linguagem, enquanto os físicos –
como também eram denominados os pré-socráticos – procuravam explicações a
partir da natureza – physis em grego.
Tome-se como exemplo a descrição da origem do
universo feita por Hesíodo, no poema Teogonia. Os primeiros filósofos, assim
como Hesíodo, buscam uma explicação para a relação entre o caos e a ordem do
mundo. A maneira de entender essa relação é que muda. Enquanto o poeta vê os deuses
como os responsáveis por tudo o que há, os antigos pensadores preferem partir
das formas da natureza que esses deuses representam (terra, água, ar) para
entender a vida. (PENSADORES, 2004, p.18)
Atividade
Após a leitura do poema
Teogonia (1) de Hesíodo, compare a linguagem usada neste poema com a descrição
da origem do mundo feita no texto de Anaxágoras (2), escrevendo um texto sobre
as semelhanças e diferenças. Leia os textos para a turma, a fim de compará-los.
Texto 1
Porém o enganou o bravo filho de Jápeto:
/furtou o brilho logevisível do infatigável fogo /em oca férula; mordeu fundo o
ânimo /a Zeus tonítruo e enraivou seu coração /ver entre homens o brilho
longevisível do fogo. /E criou já ao invés do fogo um mal aos homens: /plasmou-o
da terra o ínclito Péstortos /como virgem pudente, por desígnios do Cronida;
/cingiu e adornou-a a Deusa Atena de olhos glaucos /com vestes alvas, compôs um
véu laborioso /descendo-lhe da cabeça, prodígio aos olhos, /ao redor coroas de
flores novas da relva/sedutoras lhe pôs na fronte Palas Atena /e ao redor da
cabeça pôs uma coroa de ouro, /quem a
fabricou: o ínclito Pés-tortos /lavrando-a nas mãos, agradando a Zeus pai, que
a terra e o mar nutrem muitas /ele pôs muitas ali (esplendia muita a graça)
/prodigiosas iguais às que vivas têm voz. /Após ter criado belo o mal em vez de
um bem /levou-a lá onde eram outros Deuses e homens /adornada pela dos olhos glaucos
e do pai forte /espanto reteve Deuses imortais e homens mortais /ao virem
íngreme incombatível ardil aos homens. /Dela descende a geração das femininas
mulheres. /Dela é a funesta geração e grei das mulheres, /grande penaque habita
entre homens mortais, /parceiras não da penúria cruel, porém do luxo. /Tal quando
na colméia recoberta abelhas /nutrem zangões, emparelhados de malefício, /elas
todo o dia até o mergulho do sol /diurnas fadigam-se e fazem os brancos favos,
/eles ficam no abrigo do enxame à espera e amontoam no seu ventre o esforço
alheio, /assim um mal igual fez aos homens mortais /Zeus tonítruo: as mulheres,
parelhas de obras /ásperas, e em vez de um bem deu oposto mal. /Quem fugindo a
núpcias e a obrigações com mulheres /não quer casar-se, atinge a velhice
funesta /sem quem o segure: não de víveres carente /vive, mas ao morrer
dividem-lhe as posses /parentes longes. A quem vem o destino de núpcias
/e cabe cuidadosa esposa concorde consigo,
/para este desde cedo ao bem contrapesa o /mal constante. E quem acolhe uma raça
perversa vive com uma aflição sem fim nas entranhas, /no ânimo, no coração, e
incurável é o mal. (HESÍODO, 2001, p.
137 a 139)
Texto 2
Assim
estando as coisas, é preciso considerar que muitas coisas e de todo gênero se
encontrem em tudo aquilo que vem a ser por aglomeração e sementes que têm
forma, cores e gostos de todo tipo. E se condensaram homens e seres vivos que
têm sensibilidade. E estes homens têm cidades habitadas e obras de manufatura,
como nós, e têm o sol e a lua e todas as coisas como nós, e a terra produz suas
muitas coisas e de todo gênero, das mais úteis das quais fazem uso, depois de
reconhecê-las em sua moradia. Disse isso sobre a formação por separação, porque
não apenas entre nós é possível o processo de formação, mas também em outros
lugares. Antes que tais coisas se formassem, estando juntas todas as coisas,
não se distinguia nenhuma cor. Havia, com efeito, o obstáculo da mistura de
todas as coisas, do úmido e do enxuto, do quente e do frio, do luminoso e do
escuro e de muita terra que aí se encontrava, e das sementes ilimitadas em
quantidade, em nada semelhantes uma à outra. Com efeito, nem mesmo das outras coisas em nada uma se assemelha a
outra. Dessa forma, é preciso considerar que no todo se encontra tudo. (
Anaxágoras, in: REALE, 1997, p. 65)
Muito bom o texto.
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