Do Senso Comum ao Senso Crítico ou Filosófico
Vejamos como a alegoria da caverna é
interpretada na sociologia:
Aqueles homens da caverna, acorrentados, cujas
faces estão voltadas para uma parede de pedra à sua frente. Atrás deles está
uma fonte de luz que não podem ver. Ocupam-se apenas das imagens em sombras que
essa luz lança sobre a parede e buscam estabelecer-lhes inter-relações. Finalmente,
um deles consegue libertar-se dos grilhões, volta-se, vê o sol. Cego, tateia e
gagueja uma descrição do que viu. Os outros dizem que ele delira. Gradualmente,
porém, ele aprende a ver a luz, e então sua tarefa é descer até os homens da
caverna e levá-los para a luz. Ele é o filósofo; osol, porém, é a verdade da
ciência, a única que reflete não ilusões e sombras, mas o verdadeiro ser. (WEBER, 1946, p. 167)
Observe que
para o ex-prisioneiro, não é suficiente a sua libertação, pois ele volta, desce
“até os homens da caverna e quer levá-los para a luz”. Com esta atitude, fica evidente
a preocupação do homem com seus pares, pois ao tomar consciência da verdade
sente necessidade de socializar o conhecimento no intuito de libertá-los das
sombras da ignorância. Ou seja, há, além da dimensão do conhecimento,
mitológico, uma dimensão política e sociológica na atitude do homem que retorna
à caverna, pois é um sujeito que está preocupado com a liberdade dos outros. A
volta do filósofo à caverna para sociabilizar o saber torna-se um ato político,
já que o interesse é o bem comum.
A Questão do Conhecimento
No texto lido
apresentam-se dois tipos de conhecimento: o dos homens comuns, cujo saber é
produzido por meio das percepções sensíveis e imediatas; e o saber filosófico
ou científico, fruto de uma metodologia orientada pela razão e pela pesquisa
reflexiva e prática. O filósofo tem a incumbência de questionar essa realidade
das aparências que, na alegoria da caverna coloca-se como mundo de sombras, de
ilusões dos sentidos (no contexto da obra de Platão), abrindo a perspectiva
do logos.
Em nosso
dia-a-dia formulamos uma série de opiniões a respeito de tudo que nos cerca.
São descrições imprecisas ou relatos de fatos e acontecimentos abordados de
maneira superficial impregnados de opiniões,que geram uma infinidade de
conceitos pré concebidos os quais aos poucos vão se tornando parte do
conhecimento popular. Contudo, nem todos os conhecimentos integrantes do senso
comum são irrelevantes, já que partem da própria realidade, algumas concepções
são de fato precisas, faltando a elas, sobretudo, o rigor, o método, a objetividade
e a coerência típicas do senso crítico.
Na obra República
de Platão, a questão da passagem do senso comum para o senso crítico ocorre
no contexto da formação social e política do cidadão. O ideal de república
platônica apresenta-se também um projeto pedagógico, por meio do qual os
produtores encarregados do trabalho, os guardas que velam pelo bem público, sob
a égide da gestão racional dos filósofos magistrados, são formados para
desempenhar estas funções sociais. Na pólis grega, a educação dos jovens
era responsabilidade do Estado, os estudantes que se destacavam dos demais prosseguiam
seus estudos e poderiam chegar a serem governantes após uma longa aprendizagem e
uma rigorosa educação moral e intelectual.
Um dos objetos
desta educação é a superação do senso comum (o campo das opiniões) para o
conhecimento crítico. Conforme Geniéve Droz, pensador contemporâneo, no mito
platônico o conhecimento progride do sensível para o intelectual, a
inteligência vai do aparente para o essencial, do obscuro para o luminoso,
sendo as Ideias, elas próprias, iluminadas pela fonte de toda luz, o Bem. (DROZ, 1977,
p. 77)
Como se
elabora o conhecimento crítico em Platão? A filosofia é a única forma de buscar
por esse conhecimento? Para Platão, sim, uma vez que seja possível, com a metodologia
apropriada, superar o nível das opiniões. De onde vem o desejo e a atração pelo
mundo inteligível que possuem alguns homens, se tecnicamente nunca tiveram
contato com o mesmo? Como explicar a vontade do prisioneiro que não conhece o
lado de fora da caverna de sair dela?
O amor que
deseja a sabedoria é a própria filosofia (literalmente amor ao saber).
Gradualmente, à medida que o homem conhece, o próprio conhecimento desperta o
desejo contínuo de saber. Após deixar a caverna este humano sofre a cegueira,
pois não tivera antes contato com tal luz, e o abandono de seu antigo estado
causa medo e dor, mas ele é convidado a continuar sua ascese superando o mundo
sensível, apreendendo os movimentos do sol, as estações e suas consequências.
Desta forma, a
conquista da sabedoria e da felicidade carece de incansáveis esforços na
aprendizagem das ciências e das artes. É um processo contínuo de
auto-superação. Ele se habitua aos objetos reais do mundo fora da caverna, mas
a ascensão é apenas um momento de
depuração pessoal. A filosofia na tradição platônica não tende a algum tipo de
ostracismo intelectual, depois da contemplação da luz é necessário o retorno
para dentro da caverna para despertar os outros para este conhecimento, isto é,
o filósofo para Platão, tem um compromisso social e político. Podemos perceber
neste momento a preocupação com a “morada comum”. Platão tentou concretizar sua
ideia de nova sociedade no final de sua vida atuando politicamente.
Conhecer para
Platão é o sumo bem, e o bem está na organização da cidade de acordo com este
conhecimento e não de acordo com as opiniões. Podemos comparar o ideal de homem
que habita o interior da caverna, com o senso comum, ambos estão apegados às
impressões sensíveis e não se permitem enxergar outras realidades senão as
impostas pelas circunstâncias. Na pólis grega, os homens que se negavam
a participar da vida pública, eram chamados de idiotés, porque se
deixavam representar por outrem. Ao negar a própria vontade se submetiam e
deixavam a responsabilidade de decidir o destino da cidade para os outros.
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