Filosofia e História
A psicologia estuda o comportamento, a biologia os organismos vivos, a física os fenômenos mais fundamentais da natureza, a história
estuda o passado e filosofia estuda o pensamento. São todos exemplos
de que o conhecimento possui campos distintos. No entanto, uma pergunta
se impõe: como cada uma dessas ciências vê a metodologia de
seu trabalho, isto é, que categorias de análise, instrumentos e conceitos
são fundamentais para que o saber seja constituído em cada campo
de conhecimento?
No caso específico da história a filosofia recentemente se ocupou
da reflexão sobre as relações entre as idéias e a história. O tema recebeu
o nome de “filosofia da história” e foi cunhado pelo filósofo Voltaire.
Trata-se de investigar a relação entre o trabalho técnico do historiador
– investigar documentos, reconstituir os traços econômicos,
político e culturais de uma época, etc. – e o modo como esse historiador
interpreta os acontecimentos. Mas é também uma questão de ir
além da descrição dos fatos históricos. A filosofia da história desdobra
o significado dos fatos, as conexões entre as idéias e o contexto político,
econômico e cultural de uma época ou de um povo. Do ponto
de vista da filosofa, o historiador não é apenas um coletor de informações.
Ele reflete sobre essas informações, reconstrói com sua inteligência
aspectos que as fontes sozinhas não permitem inferir e o faz com
enorme carga crítica. Há reflexões sobre a história em Hegel e Marx.
históricos. Quanto à análise dos conceitos e valores que acompanham
os gestos humanos do passado, Collingwood diz que essa é uma tarefa
para a filosofia da história.
Uma pergunta provocante que a filosofia faz ao historiador é a seguinte:
será que nos estudos históricos do passado não há sempre um componente
de mito e imaginação? Deixaremos essa questão em aberto para
que o leitor mesmo responda. Platão dizia que a diferença entre mito e
discurso é que o primeiro se serve de imagens para captar a realidade,
ao passo que o segundo busca apoio nos fatos, no tempo e nos documentos,
enfim, numa racionalidade.
Filosofia e Matemática
Se hoje o conceito de “ângulo”, a “teoria das proporções”, a “raiz
quadrada”, os números não-inteiros ou negativos, etc., são coisas comuns
nas aulas de matemática, isso se deve ao fato dos gregos terem
dado grande impulso na sistematização dessas fórmulas.
Entre os gregos, a filosofia começa com uma tomada de consciência
sobre os limites da experiência na obtenção do conhecimento. Essa
também é a preocupação que dá corpo ao desenvolvimento da matemática
grega. Em outras culturas o processo de construção do conhecimento
matemático deu-se de maneira diferente. Sabemos hoje
que entre os babilônios e egípcios, por volta de 3.500 a.C. já existia
um primitivo sistema de escrita numérica. Alguns historiadores consideram,
inclusive, a África e não a Grécia o berço da matemática, devido
ao material encontrado que sugere que há mais de dezenove mil
anos já se pensava matematicamente. Porém, é na Grécia que se verifica
um surpreendente nível de abstração de problemas matemáticos,
culminando na obra do matemático Euclides, que viveu por volta do
ano 300 a.C. Os “Elementos” de Euclides comportam 465 proposições
em 13 livros que tratam de geometria, teoria dos números, irracionais
e geometria do espaço.
Como destaca o historiador da matemática Árpád Szabó, a matemática
pré-helênica não chegou a desenvolver conceitos como “proporção”,
“demonstração”, “dedução”, “definição”, “postulado”, “axioma”.
Todos esses termos aparecem na obra de Euclides (Szabó, 1977, p. 201). Ainda
segundo Szabó, o nível de formalização de problemas matemáticos
que encontramos nos Elementos de Euclides recebeu importante subsídio
das discussões filosóficas da Grécia clássica, principalmente com
Platão e os matemáticos que faziam parte da academia.
Platão é sempre lembrado por recomendar o estudo da matemática
para o entendimento pleno da filosofia. É porque a matemática exercita
a capacidade de abstração, sem a qual você não entende a filosofia.
Na obra platônica encontramos inúmeras passagens onde problemas
matemáticos são descritos como forma de exposição de argumentos.
A passagem mais célebre é a do Mênon (82b-85e) onde Sócrates conduz
um escravo na resolução de um problema de geometria. No diálogo
Teeteto, sobre o qual já falamos, há o relato de outro problema
que serve para mostrar que o personagem central, Teeteto, pode ser
tão bom em filosofia como é em geometria. O tópico em questão é
um exercício com números que não são exatos, como 1,4142 e 1,7320
(raízes aproximadas de 2 e 3, respectivamente). Hoje essas quantidades
são triviais. Mas entre os gregos a descoberta desse tipo de medida
causou bastante perplexidade. Os números que não possuíam raízes
exatas eram chamados “números irracionais”.
É importante destacar também que na Grécia clássica a noção de
número tem um sentido bem diferente da noção de número na matemática
moderna. Para os gregos “dois” é a soma de duas unidades, ou
duas quantidades “discretas”, “três” é o triplo da unidade, etc. (Cf. Fowler,
The Mathematics of Plato’s Academy, 1987) A noção de “número” indica aquilo que é capaz
de possuir partes. Isso significa que a unidade (1) não é um número.
A unidade é o nome que se dá para cada parte do número quando
esta é identificada até o seu limite, isto é, quando não pode mais ser
dividida. Esta noção é definida como aquilo que não tem partes porque,
se tiver partes, já não será mais unidade, mas dois, três, etc. Trata-
se de uma concepção muito diferente da cotidiana, que vê os números
como abstrações e não faz mais a conexão com as coisas que
eles representam.
Além disso, os gregos representavam os números com figuras geométricas.
O número 3 representava a figura do triângulo porque com
três pontos num plano formamos uma figura triangular. O número 4
o quadrado porque com quatro pontos formamos um quadrado e assim
sucessivamente.
Se você encontrar pela frente obras filosóficas como a de Descartes,
Spinoza ou Platão, e se deparar com afirmações de que a realidade
é mais bem apreendida por meio da geometria ou da matemática,
pense nisto: antes de ser um símbolo mental cujas seqüências e razões
são sistematizadas nos livros de matemática, os números indicam coisas
reais existentes no mundo. De modo que se pode olhar para torrões
de terra e pensar em cubos, para a água e pensar em bolhas em
forma de círculos, para as folhas das árvores e pensar em triângulos
ou cones. Era mais ou menos isso que faziam os gregos quando raciocinavam
matematicamente sobre a natureza.
Atividade
Escreva um texto tratando da relação da teoria do conhecimento com as ciências.
Referências
COLLINGWOOD, R.G. A Idéia de História. Lisboa: Editorial Presença, 1989.
DA COSTA, N. C. O Conhecimento Científico. São Paulo: Discurso Editorial, 1997.
DIÈS, A. Autor de Platon. Paris: Belles Lettes, 1972.
FOWLER, H. N. The Mathematics of Plato’s Academy. Oxford: Clarendon Press, 1987.
GLEISER, M. A Dança do Universo: dos mitos da criação ao big-bang. São Paulo: Companhia da
Letras, 2002.
GUTHRIE, W.K.C. Os Sofistas. São Paulo: Paulus, 1995.
MOSER, P. K.; DWAYNE, H. M.; TROUT, J. D. A Teoria do Conhecimento: Uma introdução Temática.
São Paulo: Martins Fontes, 2004.
HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
PESSANHA, J. A. M. O sono e a vigília. In (org. A. NOVAES): Tempo e História. São Paulo: Companhia
das Letras, 1992.
PLATÃO. Mênon. Tradução de Maura Iglesias. Rio de Janeiro: Puc-Rio/Loyola, 2001.
PLATÃO. Théétète. Tradução francesa, introdução e notas de Michel Narcy. Paris: Flammarion, 1994.
RUSSELL, BERTRAND. A Conquista da Felicidade. Lisboa: Quimarães Editores, 1991.
SILVA, F. L. Teoria do Conhecimento, In: CHAUÍ et al. Primeira Filosofia. São Paulo: Brasiliense,
1985.
SZABÓ, A. Les Débuts Des Mathématiques Grecques. Tradução do alemão por Michel Federspiel.
Paris: J. Vrin, 1977.
VERNANT, J. P. Mito e Pensamento entre os gregos: estudos de psicologia histórica. São Paulo:
EDUSP, 1973.
ZINGANO, M. Platão e Aristóteles – os caminhos do conhecimento. São Paulo: Editora Odysseus,
2002.
Documentos consultados online
PLATÃO. Teeteto.Tradução brasileira de Carlos A. Nunes. Belém: EDUFPA, 2001. Disponível em http://
www.dominiopublico.gov.br. Acesso: 10 mar 2006.

de que o conhecimento possui campos distintos. No entanto, uma pergunta
se impõe: como cada uma dessas ciências vê a metodologia de
seu trabalho, isto é, que categorias de análise, instrumentos e conceitos
são fundamentais para que o saber seja constituído em cada campo
de conhecimento?
No caso específico da história a filosofia recentemente se ocupou
da reflexão sobre as relações entre as idéias e a história. O tema recebeu
o nome de “filosofia da história” e foi cunhado pelo filósofo Voltaire.
Trata-se de investigar a relação entre o trabalho técnico do historiador
– investigar documentos, reconstituir os traços econômicos,
político e culturais de uma época, etc. – e o modo como esse historiador
interpreta os acontecimentos. Mas é também uma questão de ir
além da descrição dos fatos históricos. A filosofia da história desdobra
o significado dos fatos, as conexões entre as idéias e o contexto político,
econômico e cultural de uma época ou de um povo. Do ponto
de vista da filosofa, o historiador não é apenas um coletor de informações.
Ele reflete sobre essas informações, reconstrói com sua inteligência
aspectos que as fontes sozinhas não permitem inferir e o faz com
enorme carga crítica. Há reflexões sobre a história em Hegel e Marx.
históricos. Quanto à análise dos conceitos e valores que acompanham
os gestos humanos do passado, Collingwood diz que essa é uma tarefa
para a filosofia da história.
Uma pergunta provocante que a filosofia faz ao historiador é a seguinte:
será que nos estudos históricos do passado não há sempre um componente
de mito e imaginação? Deixaremos essa questão em aberto para
que o leitor mesmo responda. Platão dizia que a diferença entre mito e
discurso é que o primeiro se serve de imagens para captar a realidade,
ao passo que o segundo busca apoio nos fatos, no tempo e nos documentos,
enfim, numa racionalidade.
Filosofia e Matemática
Se hoje o conceito de “ângulo”, a “teoria das proporções”, a “raiz
quadrada”, os números não-inteiros ou negativos, etc., são coisas comuns
nas aulas de matemática, isso se deve ao fato dos gregos terem
dado grande impulso na sistematização dessas fórmulas.
Entre os gregos, a filosofia começa com uma tomada de consciência
sobre os limites da experiência na obtenção do conhecimento. Essa
também é a preocupação que dá corpo ao desenvolvimento da matemática
grega. Em outras culturas o processo de construção do conhecimento
matemático deu-se de maneira diferente. Sabemos hoje
que entre os babilônios e egípcios, por volta de 3.500 a.C. já existia
um primitivo sistema de escrita numérica. Alguns historiadores consideram,
inclusive, a África e não a Grécia o berço da matemática, devido
ao material encontrado que sugere que há mais de dezenove mil
anos já se pensava matematicamente. Porém, é na Grécia que se verifica
um surpreendente nível de abstração de problemas matemáticos,
culminando na obra do matemático Euclides, que viveu por volta do
ano 300 a.C. Os “Elementos” de Euclides comportam 465 proposições
em 13 livros que tratam de geometria, teoria dos números, irracionais
e geometria do espaço.
Como destaca o historiador da matemática Árpád Szabó, a matemática
pré-helênica não chegou a desenvolver conceitos como “proporção”,
“demonstração”, “dedução”, “definição”, “postulado”, “axioma”.
Todos esses termos aparecem na obra de Euclides (Szabó, 1977, p. 201). Ainda
segundo Szabó, o nível de formalização de problemas matemáticos
que encontramos nos Elementos de Euclides recebeu importante subsídio
das discussões filosóficas da Grécia clássica, principalmente com
Platão e os matemáticos que faziam parte da academia.
Platão é sempre lembrado por recomendar o estudo da matemática
para o entendimento pleno da filosofia. É porque a matemática exercita
a capacidade de abstração, sem a qual você não entende a filosofia.
Na obra platônica encontramos inúmeras passagens onde problemas
matemáticos são descritos como forma de exposição de argumentos.
A passagem mais célebre é a do Mênon (82b-85e) onde Sócrates conduz
um escravo na resolução de um problema de geometria. No diálogo
Teeteto, sobre o qual já falamos, há o relato de outro problema
que serve para mostrar que o personagem central, Teeteto, pode ser
tão bom em filosofia como é em geometria. O tópico em questão é
um exercício com números que não são exatos, como 1,4142 e 1,7320
(raízes aproximadas de 2 e 3, respectivamente). Hoje essas quantidades
são triviais. Mas entre os gregos a descoberta desse tipo de medida
causou bastante perplexidade. Os números que não possuíam raízes
exatas eram chamados “números irracionais”.
É importante destacar também que na Grécia clássica a noção de
número tem um sentido bem diferente da noção de número na matemática
moderna. Para os gregos “dois” é a soma de duas unidades, ou
duas quantidades “discretas”, “três” é o triplo da unidade, etc. (Cf. Fowler,
The Mathematics of Plato’s Academy, 1987) A noção de “número” indica aquilo que é capaz
de possuir partes. Isso significa que a unidade (1) não é um número.
A unidade é o nome que se dá para cada parte do número quando
esta é identificada até o seu limite, isto é, quando não pode mais ser
dividida. Esta noção é definida como aquilo que não tem partes porque,
se tiver partes, já não será mais unidade, mas dois, três, etc. Trata-
se de uma concepção muito diferente da cotidiana, que vê os números
como abstrações e não faz mais a conexão com as coisas que
eles representam.
Além disso, os gregos representavam os números com figuras geométricas.
O número 3 representava a figura do triângulo porque com
três pontos num plano formamos uma figura triangular. O número 4
o quadrado porque com quatro pontos formamos um quadrado e assim
sucessivamente.
Se você encontrar pela frente obras filosóficas como a de Descartes,
Spinoza ou Platão, e se deparar com afirmações de que a realidade
é mais bem apreendida por meio da geometria ou da matemática,
pense nisto: antes de ser um símbolo mental cujas seqüências e razões
são sistematizadas nos livros de matemática, os números indicam coisas
reais existentes no mundo. De modo que se pode olhar para torrões
de terra e pensar em cubos, para a água e pensar em bolhas em
forma de círculos, para as folhas das árvores e pensar em triângulos
ou cones. Era mais ou menos isso que faziam os gregos quando raciocinavam
matematicamente sobre a natureza.
Atividade
Escreva um texto tratando da relação da teoria do conhecimento com as ciências.
Referências
COLLINGWOOD, R.G. A Idéia de História. Lisboa: Editorial Presença, 1989.
DA COSTA, N. C. O Conhecimento Científico. São Paulo: Discurso Editorial, 1997.
DIÈS, A. Autor de Platon. Paris: Belles Lettes, 1972.
FOWLER, H. N. The Mathematics of Plato’s Academy. Oxford: Clarendon Press, 1987.
GLEISER, M. A Dança do Universo: dos mitos da criação ao big-bang. São Paulo: Companhia da
Letras, 2002.
GUTHRIE, W.K.C. Os Sofistas. São Paulo: Paulus, 1995.
MOSER, P. K.; DWAYNE, H. M.; TROUT, J. D. A Teoria do Conhecimento: Uma introdução Temática.
São Paulo: Martins Fontes, 2004.
HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
PESSANHA, J. A. M. O sono e a vigília. In (org. A. NOVAES): Tempo e História. São Paulo: Companhia
das Letras, 1992.
PLATÃO. Mênon. Tradução de Maura Iglesias. Rio de Janeiro: Puc-Rio/Loyola, 2001.
PLATÃO. Théétète. Tradução francesa, introdução e notas de Michel Narcy. Paris: Flammarion, 1994.
RUSSELL, BERTRAND. A Conquista da Felicidade. Lisboa: Quimarães Editores, 1991.
SILVA, F. L. Teoria do Conhecimento, In: CHAUÍ et al. Primeira Filosofia. São Paulo: Brasiliense,
1985.
SZABÓ, A. Les Débuts Des Mathématiques Grecques. Tradução do alemão por Michel Federspiel.
Paris: J. Vrin, 1977.
VERNANT, J. P. Mito e Pensamento entre os gregos: estudos de psicologia histórica. São Paulo:
EDUSP, 1973.
ZINGANO, M. Platão e Aristóteles – os caminhos do conhecimento. São Paulo: Editora Odysseus,
2002.
Documentos consultados online
PLATÃO. Teeteto.Tradução brasileira de Carlos A. Nunes. Belém: EDUFPA, 2001. Disponível em http://
www.dominiopublico.gov.br. Acesso: 10 mar 2006.
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