Mito e Lógos
Como as
pesquisas atuais entendem o mito? Conforme Vernant (2001) parece que os estudiosos
do mito não conseguem definir seu objeto de estudo e o vêem desvanecer-se:
(...) o tempo
de reflexão – esse olhar lançado para trás sobre o caminho percorrido – não marcaria,
para o mitólogo, o momento em que, acreditando como Orfeu ter tirado sua
Eurídice das trevas, impaciente de contemplá-la na claridade da luz, ele se
volta para vê-la desvanecer e desaparecer para sempre a seus olhos? (VERNANT,
2001, p. 289)
Os mitólogos
questionam a própria existência dos mitos, percebendo que, no mundo grego,
“(...)eles existiram não pelo que eram em si, e sim como relação àquilo que,
por uma razão ou outra, os excluíam e os negavam(...)”. (VERNANT, 2001, p. 289)
Em outras palavras, o mito existe do ponto de vista de uma razão que pretende
separar-se da narrativa oral e da religião. À medida que a razão filosófica
constitui-se como método lógico de argumentação e discurso verdadeiro sobre o
real, rejeita “(...) o ilusório, o absurdo e o falacioso. Ele (o mito) é a
sombra que toda forma de discurso verdadeiro projeta, por contraste, na hora em
que a verdade não aparece mais como mensurável (...)” (VERNANT, 2001, p. 291) e
perde-se nas brumas da narrativa. É, portanto, ao discurso metódico que o mito
deve a sua existência.
O Mito Hoje
Na
modernidade, podemos pensar filosoficamente outros conceitos para o mito. Um
dos modos de entender o mito é pensá-lo como fantasmagoria, isto é, aquilo que
a sociedade imagina de si mesma a partir de uma aparência que acredita ser a
realidade. Por exemplo: é mítica a ideia de progresso, porque é uma ideia que
nos move e alimenta nossa ação, mas, na realidade não se concretiza. A
sociedade moderna não progride no sentido que tudo o que é novo é absorvido
para a manutenção e ampliação das estruturas do sistema capitalista. O
progresso apresenta-se como um mito porque alimenta o nosso imaginário.
Boaventura,
(2003), defende que todo conhecimento científico é socialmente construído, que
o rigor da ciência tem limites inultrapassáveis e que sua pretensa objetividade
não implica em neutralidade, daí resulta que acreditar que a ciência leva ao
progresso e que o progresso e a história são de alguma forma linear, pode ser
considerado como o mito moderno da cientificidade. Quando, ao procurarmos
analisar a situação presente nas ciências no seu conjunto, olhamos para o passado,
a primeira imagem é talvez a de que os progressos científicos dos últimos 30
anos são de uma ordem espetacular que os séculos que nos precederam não se
aproximam em complexidade. Então juntamente com Rousseau (1712 - 1778)
perguntamos: o progresso das ciências e das artes contribuirão para purificar
ou para corromper os nossos costumes? Há uma relação entre ciência e virtude?
Há uma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar pelo conhecimento
científico?
Desde sempre o
iluminismo, no sentido mais abrangente de um pensar que faz progressos,
perseguiu o objetivo de livrar os homens do medo e de fazer deles senhores. Mas
completamente iluminada, a terra resplandece sob o signo do infortúnio
triunfal. O programa do iluminismo era o de livrar o mundo do feitiço. Sua
pretensão, a de dissolver os mitos e anular a imaginação, por meio do saber.
Bacon, “o pai da filosofia experimental” (cofr. Voltaire), já havia coligido as
suas ideias diretrizes. (...) Apesar de alheio à matemática, Bacon, captou
muito bem o espírito da ciência que se seguiu a ele. O casamento feliz entre o
entendimento humano e a natureza das coisas, que ele tem em vista, é
patriarcal: o entendimento, que venceu a superstição, deve ter voz de comando
sobre a natureza desenfeitiçada. Na escravização da criatura ou na capacidade
de oposição voluntária aos senhores do mundo, o saber que é poder não conhece
limites. Esse saber serve aos empreendimentos de qualquer um, sem distinção de
origem, assim como, na fábrica e no campo de batalha, está a serviço de todos
os fins da economia burguesa. Os reis não dispõem sobre a técnica de maneira
mais direta do que os comerciantes: o saber é tão democrático quanto o sistema econômico
juntamente com o qual se desenvolve. A técnica é a essência desse saber. Seu
objetivo não são os conceitos ou imagens nem a felicidade da contemplação, mas
o método, a exploração do trabalho dos outros, o capital. (ADORNO e HORKHEIMER,
1975, p. 97-98)
O iluminismo partiu do
pensamento de que a razão seria um instrumento capaz de iluminar a realidade, libertando
os homens das trevas da ignorância, da ingenuidade da imaginação e do mito. O
animismo, a magia e o fetichismo teriam sido finalmente superados e o mundo estaria
livre desses flagelos. O entendimento e a razão assumiriam o comando sobre a
natureza e transformar-se-iam em senhores absolutos e imperativos.
No entanto, o iluminismo
não deu conta da tarefa que se propôs. Suas luzes não iluminaram tanto quanto
se pretendia e a libertação do mito, do dogma e da magia medieval não teve o
êxito afirmado por alguns autores. O iluminismo pretendeu retirar o mito e a
fantasia de seu altar, mas colocou a razão e a técnica em seu lugar, logo, não
derrubou o mito, apenas inverteu, dando à ciência e à técnica o brilho da “verdade”,
gestando, assim, o mito moderno da racionalidade.
Para Nietzsche (1844 –
1900) o iluminismo não cumpriu o que se propôs a fazer. Não libertou os homens de
seus prejuízos, os mitos não foram abandonados, mas substituídos por novos e
mais elaborados heróis. O que pode ser tão escravizador quanto o dogma, isso
porque a técnica e o saber científico podem estar a serviço do capital. Além
disso, este saber técnico pode coisificar o homem e neste sentido os mitos modernos
apresentam-se camuflados. Por isso, a crença na razão de forma absoluta gera um
mito, o que caracterizaria um retrocesso no percurso do mito ao logos que, de
certo modo, não era a intenção.
Debate
Responda às questões:
1. Qual a diferença entre mito, filosofia e ciência?
2. Por que podemos dizer que a ciência constituiu-se como
mito na modernidade?
Apresente as respostas à turma para debate.
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