Um Problema Chamado “Conhecimento”

A questão do conhecimento é, provavelmente, o problema
mais antigo da filosofia. É verdade que a produção
e organização de conhecimentos técnicos, artísticos,
agrícolas, etc., é anterior ao conhecimento filosófico iniciado
pelos pré-socráticos.

(...)no espaço de alguns séculos, a Grécia conheceu,
em sua vida social e espiritual, transformações decisivas.
Nascimento da Cidade e do Direito, advento, entre os primeiros
filósofos, de um pensamento de tipo racional e de
uma organização progressiva do saber em um corpo de disciplinas
positivas diferenciadas: ontologia, matemática, lógica,
ciências da natureza, medicina, moral, política, criação
de formas de arte novas, de novos modos de expressão,
correspondendo à necessidade de autentificar os aspectos
até então desconhecidos da experiência humana: poesia lírica
e teatro trágico nas artes da linguagem, escultura e pintura
concebidas como artifícios imitativos nas artes plásticas.
(VERNANT, 1973, p. 04)

Antes mesmo do nascimento da filosofia na Grécia antiga do séc. V
a.C. já há uma cultura estabelecida, sobretudo nos textos épicos de Hesíodo
e Homero, mas também na poesia lírica e nos conhecimentos rudimentares
que os gregos do século VI a.C. tinham sobre astronomia.
Ao se constituir, a filosofia provoca um afastamento gradual e doloroso
desta tradição. Os heróis e os valores presentes nas histórias de
Homero e Hesíodo são questionados pelos primeiros filósofos. A tradição
mítica entra em crise e a filosofia passa a absorver questões como
a origem do universo, o bem universal, o que é o ser, a organização
política de uma cidade, etc. É provavelmente neste momento,
por volta da metade do século V a.C. em Atenas, que podemos situar
o nascimento de uma preocupação com as condições em que se dá o conhecimento.
Mas por que o conhecimento é um tema exclusivamente filosófico?
Antes do advento da filosofia não existe o problema? O helenista Jean-
Pierre Vernant diz que a preocupação com o conhecimento puro, isto
é, o saber que não carrega traços religiosos ou míticos, é uma característica
dos primeiros filósofos. Homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes
apresentam em suas investigações uma teoria, uma visão geral
do mundo que explica racionalmente a estrutura física e espiritual
desse mundo. Vernant afirma ainda que esses primeiros pensadores tinham
plena consciência de que produziam um conhecimento radicalmente
novo e, em muitos pontos, oposto à tradição religiosa. (VERNANT,
1973, p. 156-8)
< Mapa da Grécia Antiga. www.u.arizona.edu
A questão do conhecimento é, provavelmente, o problema
mais antigo da filosofia. É verdade que a produção
e organização de conhecimentos técnicos, artísticos,
agrícolas, etc., é anterior ao conhecimento filosófico iniciado

pelos pré-socráticos.


Debate

Em grupos, responda as questões abaixo e apresente as respostas para debate.
1. Qual é a relação entre conhecimento e necessidades humanas? Discuta com os colegas esse problema,
examinando o tema a partir dos seguintes pontos:
a) Pense num corpo de conhecimentos (teoria) de geometria, arquitetura, náutica, filosofia, política,
etc., que foi se constituindo à medida que cresciam as dificuldades que o desenvolvimento dos
aglomerados urbanos gerou, desde os gregos até nossos dias.
b) Faça uma pesquisa acerca da diferença entre conhecimento teórico e empírico. Utilize as informações
dadas por Vernant na página anterior, bem como no texto abaixo.
As regras para o debate encontram-se na introdução deste livro.

Entre a Teoria e Prática

Diversos testemunhos mostram, na verdade, que eles [os gregos] puderam,
bem cedo, abordar certos problemas técnicos ao nível da teoria,
utilizando para isso os conhecimentos científicos da época. Desde o século
VI que uma obra como o canal subterrâneo construído em Samos pelo
arkhitéktón [arquiteto] Eupalino de Mégara pressupõe o emprego de processos
já difíceis de triangulação. Há inúmeras razões para acreditar-se que
não estamos diante de um caso isolado. O termo arkhitéktón, em Platão e
Aristóteles, designa, por oposição ao operário ou ao artesão que executa
o trabalho, o profissional que dirige os trabalhos do alto: sua atividade é de
ordem intelectual, essencialmente matemática. Possuindo os elementos de
um saber teórico, ele pode transmití-lo por um ensinamento de caráter racional,
muito diferente da aprendizagem prática. (...) o arkhitéktón, no âmbito
de sua atividade – arquitetura e urbanismo, construção de navios, engenhos
de guerra, decorações e maquinarias teatrais – apóia-se em uma
techne [arte, técnica] que se apresenta sob a forma de uma teoria mais ou
menos sistemática.

(VERNANT, 1973, p. 247)


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